quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Desolo


Na película renosa da tarde em desacordo com a noite, circunstancial como a lua que agora é cheia, entrevejo um futuro calmo e brando para entornar a fissura mais que tênue de minha vida, para entorná-la e lançá-la ruidosa ao canto mais apático e resumido de uma cidade que se quer pode ser chamada de cidade, talvez vila, mas no Brasil não existem vilas; existe é um lugar ao sol pra qualquer um.
Como serei eu ao sol, já que esta lua me compõe tão absurdamente vivo, tão latente em meu sobrar?
Como eclipsar em mim esta lua que me compõem com este sol que me resta tão imperfeito?
Mais uma vez as membranas intercaladas de um tecido nervosamente instigado à sina choca em meu peito instável como uma galinha choca o derradeiro ovo. E já pula de medo o meu coração; chora de fome o desconhecido que agora aparece impossibilitado à minha rédea sempre solta; os cabelos até do púbis ficam brancos; e a calvice das mãos emparelha-se ao jeans roto da calça nova. E não há a novidade no por vir., há talvez um por vir que simplesmente é retorno ou um desvanecimento do que um dia foi, mas que agora é sem coragem. e há a estranha lacuna da vida nunca preenchida nos ossos armados de dor; há a falta saliente de mim mesmo, como um remorso de tiro nunca dado, como a fibra rugosa do ouvido que mesmo a ouvir é surdo.

sábado, 14 de agosto de 2010

A política dos corpos ou um poema neobarroco

A Késia Tavares

A curvatura frontispicial

Do meu corpo,

Aqui e Agora, num

Encaixe instantâneo com

A curvatura traseira de

Teus modos.


A substância incorpórea

Do medo me empresta a nós

Na matéria instável do desejo.


Somos em riste a mola

Do acontecimento, a mola

Que sustenta e elabora

Os desígnios do encaixe.


A física dos dedos

Na leveza do impróprio:

Política dos corpos.


Agora a dobradura das pernas:

Dobras na dor são redobras

No prazer de cair-se inerte.


A inclinadura dos âmbitos:

Instamo-nos dispostos ao vento,

Que momentâneo, é puro gozo.


E uma força elástica tange-nos

Ao fundo da pele, e revira-nos

O fundo cavernoso do dentro,

Onde o improvável dos sonhos

É mechido e remechido até que

Tornado irremediavelmente incerto.


E de repente temos a vida

Toda em larvas como que

Grossas e clara como que

Branca, no dentro e no fora.


E morreria teu corpo se

Não se dispusesse ao meu.

E morreríamos dispersos no

Andar de cima: que Abaixo de

Deus. Mas morremos ainda se

Grudados e drapeados um na

Largadura do outro e incertos

De tão vertiginosos e mortos

De tão vivos, como que imersos

No infinito afável do todo.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Oh! Vaca Profana, me vê!


Oh! Vaca Profana,

Me vÊ! E vê

Que sou o bagre.

Eu sou a suspensão do ar na água suja que te invade!

Oh! Vaca e Profana,

Vê que eu sou o bagre nadando raso

Eu sou,

na espessura do riacho,

o soluço de um abutre

A cantar, o abutre a cantar,

A cantar

Um abutre

regado a suor

Oh! Vaca Profana,

Não vÊ?

Eu sou o resto da fome de estrume

Eu sou a necessidade no estômago vazio de um cavalo com fome

E sou, Oh! Vaca Profana, o grunhir da vontade de um pouco mais

Da vontade de gastar mais deste nosso canto

De gastar mais dessa oração, que é sua

É sua, Vaca Profana

De gastar mais um pouco

De gastar mais um muito

De gastar mais o todo

De gastar mais o tudo

De gastar a cera de seu ouvido, Vaca Profana

De gastar essa saliva amarga que me compõe

Essa saliva que compõe

Eu sou o bagre, eu sou o estrume na cloaca cancerosa do bagre

Eu sou, Vaca Profana, a sua promessa de recusa

De recusa ao sagrado lume do fundo

Porque sou o resto do resto do estrume na superfície da falta.