quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Ofélia Estranha


Ela é tão bonita

Que se assusta

De desprevinida


Ante o espelho

Calcula e edita

As fadigas do amor


O meu, profano

Relampejante

E lento, possante


Disfarsa clara

Me desacredita

Me apara a unha


e me afina as

Aspas da cara

Na casa vazia


Me cava a cova

Na lua e parte

Sorri e chora seu


Sorriso total

Acalma a guarda

E agora as almas


Mas com a razão

Marcada de dor

Ela Inexorável


Acorda a fala

Metida a coágulo

Na lata toráxica


O peito, coração

Este cerne vitral

Íntimo e cálido


Apalpa ínfimo

E morro Hamlet

O Príncipe enjeitado.

domingo, 12 de setembro de 2010

Contranotas do sobressolo


Por essa época, o seu sítio era o vigésimo segundo andar de um edifício erguido sobre a porta dos fundos. Ele entrara ali; e só foi saber disso quando já não havia mais portas e nem janelas ou qualquer outro orifício por onde descambasse o mundo. A sua idade: o vigésimo segundo andar de um prédio cuidadosamente projetado para nunca atingir a possibilidade do céu a pino (como isso é matemático, não?). Ele observava a vida desde a primeira sala, no roçar do corredor, até a indumentária da pia com vaso do banheiro distinto. E se desesperava, porque sabia que nada o distanciaria tanto da falta de gravidade de seus sonhos menos insuspeitos. Mas era a ignorância quanto ao andar seguinte o que mais o atormentava, o que mais o comprimia contra a escada sem degraus explícitos, contra a entrada que ligava o já construído ao em construção, e tanto à custa de sua impaciência elétrica. Oh, meu Deus, meu Deus! Como suportar a ideia de que somente um terço do edifício inteiro foi erigido, sendo que tudo o que ele representa é esta necessidade de altura seguinte? Ele pensava que talvez fosse tudo quadrado; mas sabia que a parte de baixo, o seu subsolo, era o único chão de que dispunha e que o restar de tudo no lado A da parede de fora era só o resfolhar da sua mente a concluir distrações. E não há o que contar sobre a vida de Sílvio. Há a reflexão de um edifício que existe porque o concebo se ainda tenho esta concessão.


quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Desolo


Na película renosa da tarde em desacordo com a noite, circunstancial como a lua que agora é cheia, entrevejo um futuro calmo e brando para entornar a fissura mais que tênue de minha vida, para entorná-la e lançá-la ruidosa ao canto mais apático e resumido de uma cidade que se quer pode ser chamada de cidade, talvez vila, mas no Brasil não existem vilas; existe é um lugar ao sol pra qualquer um.
Como serei eu ao sol, já que esta lua me compõe tão absurdamente vivo, tão latente em meu sobrar?
Como eclipsar em mim esta lua que me compõem com este sol que me resta tão imperfeito?
Mais uma vez as membranas intercaladas de um tecido nervosamente instigado à sina choca em meu peito instável como uma galinha choca o derradeiro ovo. E já pula de medo o meu coração; chora de fome o desconhecido que agora aparece impossibilitado à minha rédea sempre solta; os cabelos até do púbis ficam brancos; e a calvice das mãos emparelha-se ao jeans roto da calça nova. E não há a novidade no por vir., há talvez um por vir que simplesmente é retorno ou um desvanecimento do que um dia foi, mas que agora é sem coragem. e há a estranha lacuna da vida nunca preenchida nos ossos armados de dor; há a falta saliente de mim mesmo, como um remorso de tiro nunca dado, como a fibra rugosa do ouvido que mesmo a ouvir é surdo.

sábado, 14 de agosto de 2010

A política dos corpos ou um poema neobarroco

A Késia Tavares

A curvatura frontispicial

Do meu corpo,

Aqui e Agora, num

Encaixe instantâneo com

A curvatura traseira de

Teus modos.


A substância incorpórea

Do medo me empresta a nós

Na matéria instável do desejo.


Somos em riste a mola

Do acontecimento, a mola

Que sustenta e elabora

Os desígnios do encaixe.


A física dos dedos

Na leveza do impróprio:

Política dos corpos.


Agora a dobradura das pernas:

Dobras na dor são redobras

No prazer de cair-se inerte.


A inclinadura dos âmbitos:

Instamo-nos dispostos ao vento,

Que momentâneo, é puro gozo.


E uma força elástica tange-nos

Ao fundo da pele, e revira-nos

O fundo cavernoso do dentro,

Onde o improvável dos sonhos

É mechido e remechido até que

Tornado irremediavelmente incerto.


E de repente temos a vida

Toda em larvas como que

Grossas e clara como que

Branca, no dentro e no fora.


E morreria teu corpo se

Não se dispusesse ao meu.

E morreríamos dispersos no

Andar de cima: que Abaixo de

Deus. Mas morremos ainda se

Grudados e drapeados um na

Largadura do outro e incertos

De tão vertiginosos e mortos

De tão vivos, como que imersos

No infinito afável do todo.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Oh! Vaca Profana, me vê!


Oh! Vaca Profana,

Me vÊ! E vê

Que sou o bagre.

Eu sou a suspensão do ar na água suja que te invade!

Oh! Vaca e Profana,

Vê que eu sou o bagre nadando raso

Eu sou,

na espessura do riacho,

o soluço de um abutre

A cantar, o abutre a cantar,

A cantar

Um abutre

regado a suor

Oh! Vaca Profana,

Não vÊ?

Eu sou o resto da fome de estrume

Eu sou a necessidade no estômago vazio de um cavalo com fome

E sou, Oh! Vaca Profana, o grunhir da vontade de um pouco mais

Da vontade de gastar mais deste nosso canto

De gastar mais dessa oração, que é sua

É sua, Vaca Profana

De gastar mais um pouco

De gastar mais um muito

De gastar mais o todo

De gastar mais o tudo

De gastar a cera de seu ouvido, Vaca Profana

De gastar essa saliva amarga que me compõe

Essa saliva que compõe

Eu sou o bagre, eu sou o estrume na cloaca cancerosa do bagre

Eu sou, Vaca Profana, a sua promessa de recusa

De recusa ao sagrado lume do fundo

Porque sou o resto do resto do estrume na superfície da falta.

sábado, 31 de julho de 2010

Insano autismo

Meu corpo, de gozar-te, anda esquivo.
Meus olhos andam cansados de te ver!
Pois que não és a razão do meu viver
E muito menos és toda minha vida.

Não vejo nada assim, aborrecido...
Ando no mundo, minha querida, a ver
Um jeito misterioso de tornar-te livro
De mesma história tantas vezes lida.

No mundo tudo é chato, me desgraço
dizendo muito isto, e tudo o que faço
é pra reprimir tua boca falando a pino.

De, olhos postos em ti, me encolerizo.
Ah! mas nada do que faço daqui te afasta.
Acho que o melhor é tentar logo o suicídio.



quarta-feira, 21 de julho de 2010

Depressão do Poema

Este silêncio de capa é

Como o morrer abafado:

Dividido entre o viver

E o matar-me, persigo:

A estranheza de uma

Dor que metálica, se fria;

O erguer-me instável,

Que é afeição de esgrima.


Este dizer de letra é como

Um sentar-me espetado.

Circunscrito na natureza

morna da cidade frívola,

Contorno os mil utensílios

quem em mim desabam:

Sons de rima, que aguados,

E lascas de ordem de estima.


Na estante de chão e quarto

Desfaleço-me emblema:

Sou o quadrante a pensar

O mais que pensar, como

A sentir o mais que sentir:

Porque tudo é aborrecimento.


Então é como um penar o mais

Que penar, porque de pedra: um

Ficar redondo e elíptico, por fora,

Mas elástico e com zíper, por dentro.

domingo, 11 de julho de 2010

Das formas do erro

Quem pariu Mateus que se balance! Pior pra Deus que, de lá pra cá, quantos Mateus não tem parido? E esse Deus, de tanto balanço, tem deixado o homem entre a morte e a vida. Esse é mais um equívoco da criação divina!

sábado, 3 de julho de 2010

Um Rôubo


File:Manet, Edouard - At the Café, 1878.jpg

Se teu corpo excede pêlos

Pelos teus vales me perderei.

Se teu corpo perde o jogo

Até teu gozo eu já roubei.

Se teu corpo pede alma

É que nada te adiantou fugir.

E se minha pele perde o jogo

A culpa é do fogo do teu corpo

Que não me deixou resistir.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

PEDRA

é necessário, agora, interpretar a pedra. Questionar a sua graça e a sua deficiência. Quanto à graça, ela está, é claro, na dureza, na opacidade de sua espessura e, sobretudo, está em sua natureza resistente, insistente e densa. A pedra não sustenta o mundo, ela é o próprio sustento. Ela é o sustento do mundo naquilo que, sem ela, o mundo não resistiria: chão.

Mas essa mesma pedra é também uma pobrezinha e tem lá a sua perfeita desvantagem ante ao resto de tudo. ela não pode, por exemplo, de forma natural e por conta própria, fazer-se mais rígida ou mais flexível. Não pode sequer atender a si mesma, nem nesta e nem em qualquer outra precisão. E se ela tiver no meio do caminho, não será por escolha própria. Ela terá lá apenas por se constituir parte intrínseca dele. é simplesmente por o caminho a ter. "tinha uma pedra no meio do caminho. no meio do caminho tinha uma pedra. uma pedra tinha o meio do caminho. o meio do caminho tinha uma pedra. tinha, uma, pedra., tinha, pedra, uma, uma,: tinhaumapedra,. tinhaumapedra. PEDRA. pORQUE a PEDRA?, o que tem a pedra? a pedra.,

porque ela sequer é dona de sua opacidade,.
o opaco é apenas o seu brilhar.
E não é ela quem domina o seu peso. e nem é ela quem controla sua dureza. e quem atualiza a sua resistência. Mas sim a resistência quem a atualiza. a dureza quem a regula. o peso quem a domina.
A pedra nada define. Ela é a definição. Ela nada acusa. É a acusação. No entanto, pode ser percebida, e por alguns apreciada. acrescida.
E alguém dirá um dia que talvez ela possa até sentir a vida. Mas ela não sente. porque ela é
o sentido.

E a sua noção (ohhh, o caminho de novo!) nunca será breve e nem clara e nem evidente. A pedra é a evidência. E ela não é o que me pesa, é o próprio pesar.
ohhh, de novo no meio do caminho, ohhh!

O pesar basta ao peso. E não basta à pedra. Mas o peso que define, a dureza que regula, a resistência que edifica, bastam, bastam, bastam ao caminho, ao meio do caminho.
A PEDRA.

E a pedra, que nada complica e nem resolve, não basta.
não basta ao caminho, ao meio do caminho: PEDRA.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Música de Câma/ra

chuva-osvaldo-goeldi.gif image by menina-nuvem

Meu Canto é um gesto
e o Gesto é o grito

O Grito é a faca
e a Faca o precipício

O Precipício é o cosmos
e o Cosmos é a sina

A Sina é a falta
e esta Falta é Obsessão.

sábado, 8 de maio de 2010

À Mercê Mercedes

Só os lunáticos sabiam

Só, o cabide é tão triste

Sozinho o rádio insiste

O chip me desavisa.


A cara tinha detalhes

A cor era anilina

Meu peito cheio de talhes

A solidão me incrimina.


Cuspi no ar a saudade

O Arco-íris que lindo!

Aceito a novidade

A carta não sei se assino.


Comprar, vender

A alma...

Falar a mercê.

Mercedes casar

A alma...

Surrar-me em você.


Contorno a face do corte

A inabitável resina

Sentindo pratico esporte

Prostituo a cafetina.


Teclei o risco no muro

Comprei o afeto num sarro

Nadei no fundo futuro

Meu saco não é de barro.


Só que esta febre que queima

É peste de um outro tempo

Um tempo em que o invento

Tomava uma com a gente

E o vento naquele tempo

Era tão quente e sonoro!

No estouro de uma língua morta

Surge o meu ré-pensamento.

Conversa Paralela - a última

Não dará mais nem um pio depois daquela de ontem,...
Viu como sou potente? muito mais potente que você.
Isso é porque eu sinto, você não. Eu sinto, sinto, sinto e você não.

E você não passa de uma puta de uma lucidez fudida.

uma puta de uma lucidez fudida!

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Conversa Paralela - a quarta - a penúltima

Aquela velhinha, você queria a velhinha,...

- Eu queria ajudá-la, cuidar dela., sabe?

Você? Você teve pena dela? Nãooooouuuuu, você não.

- Nãonãonão naum. Não foi pena,. Foi carinho, ternura,. um tipo qualquer de esperança ou de agonia.

(cuidem dos velhinhos! das criancinhas não! será pedofilia! Cuidem dos velhinhos!)

Você tem que cuidar é de si mesmo. Você não cuida.!!! Ora ora, filhinho! Você queria a velhinha! Vi que queria.

- Eu queria a velhinha. cuidar dela. Dar banho, contar historinhas para ela durmir tranquila. para ela durmir morrer e continuar viva, sempre viva. Preciso muito disso. Me ajude, por favor. Me ajude a ganhar a velhinha!

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhh. Foda-se! Você e a puta pedofilia!


quinta-feira, 6 de maio de 2010

Conversa Paralela - a terceira

Está vendo aquele moço ali? Do outro lado da vida,...?

Ele mesmo. Não deveria ser você?

(confundi-me com ele. eu, que penso).

Repare nele! Talvez você aprenda alguma coisa.

- Ahhhhhhhh! Foda-se!

Você precisa pôr controle nesta sua imaginaçãozinha e fazer tudo de forma menos desleixada. Precisa pôr controle. Porque, senão, terá sempre essa mesma dor de cabeça e essa vontade louca de esvaziar o nada. e ter no nada a sua vida.

Veja-o! Aprenda alguma coisa. Você precisa.
Sinceramente, acho que não aprenderá nada. nunca.
e este seu amor às causas perdidas? é o que te condena! tá vendo?

Tudo bem que "a comunhão acontece em silêncio" (o teu silêncio é valioso) e que este beijo que te inspira é, além de tudo, um risco muito grave. Entendo.

- "Um beijo no qual existe uma ameaça".

Sim, sim, sim. Claro. Mas não uma; todas.

- O que farei então? Oh, como sou confuso e irritante!

Precisa fazer alguma coisa. Se não fizer, não aprenderá nada. nunca.

- Ahhhhhhhh! Foda-se!

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Conversa Paralela - a segunda

Não entendi aquele último sonho. E logo no findar da noite.

hahahmmmmmm.................. Seu Danadinho!!!....

Dizes que fumas só quando bebes. Mas estás sempre a beber.

E quanto ao amor?
Vês o amor como uma irradiação, não é?
Uma irradiação incalculada das potências do coraçãozinho no cérebro e das inadequações do cerebrozinho no coração de pedra. O teu?
Mas, e quanto ao amor? Dize. Amas?
Sei que amas. Amas sim. Calado, sem coragem de dizer e de agir por conta própria. Sem coragem para irradiar coisa alguma fora de ti mesmo. Como um beijo, que necessitas roubar antes que passe o tempo.
E sofres tanto, não é, menino?
Aquelas "Cartas a um jovem poeta", de Rilke, tu andavas a lê-las. Quão mal fizeram a ti.
Já eras medroso. então, com aqueles conselhos maldosos, tornou-te afundado demais em ti mesmo. e na solidão e nas nuvens....

O silêncio é o teu esporte favorito. e tens tesão nisso.
Tu, que sempre foste movido pelo corpo, tens tesão nisso?
Claro que tens. Compreendo-te. Tens tesão por livros. Tens tesão por teus amigos (o que é uma loucura e um risco) e tens tesão por cigarros e até pela vida,..... E a tua?

Ora, vamos. Irradiemos alguma coisa. Diga a tudo e a ele memo: "Irradio-te".

terça-feira, 4 de maio de 2010

Conversa Paralela

Tão triste vais te deitar?
Em pleno meio-dia? Vais rezar, eu sei. E depois sonhar-te nas nuvens. Claro! Não trabalhas? Tens Twitter. Ou o teu negócio é sempre o ócio?
Olhe, que um dia as nuvens te põem perdido. E aí não darás mais pé a nada e nem a ti mesmo.

Vi que pensas falando alto.
E pensas que nada é possível ser sentido senão de forma mística.
Mas, no entanto, não crês em Deus, não é? Tu o disse.
E crês no diabo e em vampiros e crês no inferno e na morte.
Trágica morte será a minha. Eu te disse. E a tua?

"de guarda-chuva" ela te espera,
"lúcida e fria".

E crês na possibilidade do mal e do bem como um jogo a ser bem bolado. E a ser vencido. Mas, por quem? Por ti?
É que tu também ignoras que o mal está no bem e no bem a ser feito a qualquer outro e até a ti mesmo. Ignoras que o bem é apenas um modo do mal mostrar-se menos maldoso. Ignoras também isso?

Oh! e Dizes tanto das pedrinhas cristalinas!
E esta outra pedrinha que tu me atiraste? Éééé, ela é sem cor e sem graça e sem transparência. Por isso pedra.
É uma pedrinha tão tosca, tadinha, que de pedrinha a pedrinha nunca passaria.
e nada comunicaria a esse peito seu, ainda de pedra. Mais tosco. Mas, partido.

Só que a terra e a rua conhecem as pedras melhor que a mística. e a mística, se existisse como tu infalivelmente existe, teria no bem que a pedra faz à terra e à rua o mal que as nuvens fazem aos céus e aos dias. Embaça a vista, sabe? tu sabes. São tuas estas vistas.

A forma e o conteúdo conjugados da vida

Há quem vê a vida como uma comédia, diz-se dos que a pensam; há, também, quem vê a vida como uma tragédia, os que a sentem. Eu, como não gosto de reduzir nada a muito pouco e como sempre busco conjugar todas as idéias em uma unidade coerente, porém, híbrida de elementos determinativos, compreendo a vida como, ao mesmo tempo, uma comédia e uma tragédia. Porém, essa compreensão não se estabelece simplesmente a partir de meu olhar sobre a vida, mas sim a partir do modo com que a vida se me apresenta. Tenho, pois, o homem e a sua fatal condição imanente como o centro dessa compreensão. Assim, recordando-me da forma com que Machado de Assis mostra em seus textos o processo cíclico de perdas e ganhos do homem ao longo de sua história, chego à conclusão de que a vida é um eterno iludir-se para desiludir-se e tornar-se a se iludir...

É nesse sentido que a vida será uma tragédia e uma comédia conjugadas.

Há quem observa os homens e percebe o quanto estão aí iludidos, acreditando que são felizes, quando tudo não passa de uma farsa construída pelo sistema ideológico em que vivem, sistema apegado ao otimismo progressista. Esse que vê, de fora, acredita que, diferentemente do outro, é livre. Não se ilude com o sistema e, por isso, não depende das mentiras que o mundo conta para aliviar as suas dores de viver. Imbuídos de um pessimismo inconsciente veem a vida como uma desilusão somente. A experiência humana, toda ela é fracassada. Todo viver é doloroso. Mais vale a morte; fim completo de toda a ilusão.

Os jovens propagadores da cultura Emo, hoje, carregam esse legado da vida fracassada, da vida prática como exercício de uma desilusão. São os homens desiludidos.

O que esses pobres não conseguem ver é que até essa eterna desilusão não passa também de uma ilusão. Todo olhar desligado do modo de representação do próprio ato de ver é ilusório.

Assim, a vida será, mais que qualquer coisa, esse processo trágico, porém, lúdico e cômico, de representação da ilusão que nos engana e da desilusão que nos detona. Mas o importante mesmo é não dar ouvidos a essas baboseiras todas. O importante é ter paixão pelo que, independente de trágico ou cômico, é a vida. A vida na sua intensidade mais ardente.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Encontro mal marcado

Foi marcado um encontro entre o cachorro e o osso. Só que esqueceram de avisar ao osso que o cachorro andava sem fome e que por isso, certamente, o cachorro o enterraria em alguma cova bem funda, pois a falta de fome persistiria como um engano. E o osso, coitado, acabou por ser comido por vermes, pois foi marcado um novo encontro, dessa vez entre o cachorro e a ração. Só que esqueceram de avisar ao cachorro que a ração nunca dá aquela satisfação completa. E o cachorro, coitado, acabou por ser comido pela ilusão de uma vida inteira.

sábado, 1 de maio de 2010

testemunho de um afetado

Disseram de mim
o que não pode ser dito de ninguém
em nenhuma parte do globo.

Disseram de mim:

"preferem (os delicados) morrer"

E o dito era um mau agouro.
Antigamente
quando maio era um mês à parte
o ano tinha um participação mais lúdica e inconsciente em minhas ressalvas, em minhas manias e em minhas instabilidades.

Agora, maio é um só mais um mês
e como dói.

"Eu tenho mais de vinte anos"

Hoje, ouvindo e vendo um show de Elis Regina, gravado em DVD e comercializado em uma coleção especial, fui da crise sexual-amorosa que me atormentava, há dias, a uma crise existencial tremenda, motivada pelo aterrorizante verso “eu tenho mais de vinte anos”, da música “20 anos Blues”.
Nesse verso, descobri não só o peso de se ter vinte anos, mas o de se ter, precisamente, vinte e dois anos e meio.
Isso é tudo o que tenho, além de algum dinheiro emprestado, uns poemas escondidos, uma família que também é dos outros e um curso superior pela metade.
E é difícil, sim, aceitar este fato: “Eu tenho mais de vinte anos”, pra ser preciso: Eu tenho vinte e dois anos e meio.
É difícil porque de repente nos encontramos na posição em que, há pouco tempo atrás, estavam aqueles que mais odiávamos, os jovens crescidos. É belo ser jovem, ser crescido?.........................................!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!.....................................................
.............................................Sinceramente, não gostei da experiência com a adultez. Como Rimbaud, odeio o mundo do trabalho, da produção em massa. Como Rimbaud, odeio a vida prática que, hoje, Rimbaud odiaria mais ainda.
Acho que é por isso que gosto tanto de tudo o que tem a ver com arte, principalmente, gosto muito de artistas.
Tenho sim, e assumo, um insistente interesse pelas pessoas que andam movimentando alguma coisa que seja música, pintura, teatro e, às vezes, até dança. E sempre, em meus sonhos, aparecem os artistas. Neles, estamos, eu e um alguém, com a mais pura arte do mundo, ora andando por aí, ora parados por aqui, a brincar com a idéia do amor, e motivados, sobretudo, por um desejo e por um prazer absurdamente estético.
Acho também que esse interesse maluco tem a ver com o que neles, nos homens da arte, há de insólito e superior aos homens vulgares: os artistas são, ao mesmo tempo, demasiadamente jovens e demasiadamente maduros. Vejo o artista como o sujeito que consegue tratar de assuntos adultos com toda a adolescência da expressão e do modo totalmente atrevido e rebelde que trazem.
É por isso que meu intuito é andar sempre rodeado por gentes de arte. E não vai importar se serão 22 e meio, ou 41 e meio, ou 61 e meio a minha idade, serei mesmo um jovem que não cresceu e que morrerá ainda jovem.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

palavras gozozas

Que engano!!! O tempo todo, não sou eu quem diz de mim mesmo, quem julga o mundo, nem quem anda por entre as coisas visíveis e os homens visíveis. O tempo todo, sou eu apenas mais um personagem e, muitas vezes, a opção mais adequada, dada a praticidade da ocasião. E Ele se apresenta tão esperto e tão agradável, que chego a acreditar que Eu sou feliz! Entende porque pareço essencialmente excêntrico? É a força do teatro me impelindo à farsa e (quer saber?) ao prazer efêmero. “Mas, falto EU mesmo, e essa lacuna é tudo!” Toda casca de um fruto é apenas reprodução exterior de um sabor insólito e, por vezes (Será o meu caso?) amargo, demasiadamente amargo. Não sei de meu próprio drama, sequer do absurdo de ser ATOR. Morrerei sem pagar pelas minhas culpas, sem mostrar que a depressão humana não passa de um modo de ser no mundo. Então, renascerei em um Sistema menos Nervoso, condenado a existir, a ME tornar representável. Serei condenado a ter paciência com o tédio e com a carência, que sou EU mesmo. Talvez, ainda haja salvação. VOCÊ, talvez seja esse personagem que me falta, e talvez me entregue a mim mesmo, no palco logo ali, logo mais a noite. VOCÊ, o meu drama de existir, ABSURDAMENTE.