desaforia poética
dESORIENTAR-ME É MEU ANTIMÉTODO! (s. uCHOA l.)

quinta-feira, 26 de maio de 2011
Acima de tudo
sábado, 16 de abril de 2011
POEMAS DE AMOR E DE CIÚMES
Se Clódia desprezou Catulo
E teve Rufus, Quintius, Gelius
Inacius e Ravidus
Tu podes muito bem, Dionísio,
Ter mais cinco mulheres
E desprezar Ariana
Que é centelha e âncora
Hilda Hilst.
I
Me chama pelo nome
Presta a mim esta homenagem
Me despe e me fita
Depois me torne o que disseste
À vida quando nascente
Inconscientemente para a vida.
II
Eu queria ser teu corpo
E o envolvimento que ele tem
Com os poemas que na noite
Te fazem gemer e até te gemem.
Eu queria ser teu órgão
Qualquer órgão e o esqueleto
Pra bater ou te pulsar tão longo
Pra te ser interno como teu sentimento.
Eu queria ser teu signo
E o temperamento que dele
Conduz o teu, eu queria te guiar
Na montanha firme, ou no corredor do rio,
E te avistar em mim, dentro do meu.
III
O mundo gira, Carolina,
Porque meu corpo te concebeu
E tão cedo ou tarde sendo
Saberás que o dia amanheceu
E que com o dia só briga quem
Na noite te esqueceu.
Eu sou a moça, Carolina,
E tu és a menina
Meus sonhos sonham a ti
E os teus um dia, porque na noite,
Sonharão como os meus
No escuro.
IV
É que recusas mais meu corpo
Que meu amor.
E por isso sofro
Como a faca e a fatia do queijo
Que tua faca não tocou.
V
Saiu brando pela porta afora
Me deixou gavetas escancaradas
E documentos espalhados pela
Casa cômoda como se fossem
No lixo do banheiro o banho
E no vaso as camisinhas gozadas
E no chão o chão e as paredes ligadas
À mesa e o aparelho de som ligado
Tudo embaralhado de tanto susto e
O computador com dedos
E o lençol molhado de lágrimas
E o dicionário Aurélio aberto
Justamente na página 184
Onde se inaugura o uso da palavra
Coobrigado.
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
Em nome da Lua
Não mais o dia
E não mais reprisar
O sol nas manhãs de serão
Não mais o chão
E não mais reatar
Os laços do calçado com o pé no chão
Não mais o ar
E não mais respirar ameno o mesmo ar da terra
Não mais os pratos
E nem mesmo os copos
Não mais comer o que nunca alimenta esta fome infinita
E não mais os dias
E nem acompanhar os dias por entre os dias
As fugas por entre as fugas
As ruas por entre as ruas
E não mais a sina
Somente a paixão
Somente a paixão
Somente a paixão.
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
E se
E se você cometesse um crime. Contra um cachorro, por exemplo. Se você, ao invés de matar um cachorro a pauladas, escodesse dele a comida (e os restos). Se você guardasse tudo no alto, e pusesse dependurado de um modo que o cheiro de comida recendesse a casa toda. E você fechasse a casa com o cachorro dentro. Se você deixasse o cheiro explodir intenso nas narinas magras do cachorro, avivando até seu último faro e sua última fome. Se você cometesse um crime, hoje.
E se você tossisse alto, mas tão forte e alto que o barulho estridente de sua interioridade rouca ensurdecesse até os carros nas ruas e nas garagens. E se de um tanto de seu pulmão fugisse, como um mar, um monte de sua vil catarrice, e se essa gosma nojenta, que é sua massa espessa, sujasse as ruas e as casas como um cego suja-se e a tudo num banheiro distinto. Se você tossisse longo e desfeito e, com isso, cometesse um crime.
E se você preparasse para o mundo uma espécie de componente químico capaz de exterminar dos ares e das carnes todo inseto nojento e ponjoso: as moscas, e gafanhotos. E propusesse ainda outra espécie de componente químico que pudesse exterminar das árvores e das peles todo ácaro parasita: os carrapatos, e as pugas. Se você pudesse, por inveja ou por vergonha de sua natureza fingida, se pudesse, cometeria um crime desses?
E se você morresse. Se você se matasse. E cuidasse para que a culpa não caísse sobre seu desprezo à vida. Se, ao contrário, você deixasse aos outros o romorso da vida. Se você morresse por vontade e por decisão unicamente de sua tristeza e fingisse com um sorriso de caixão que tudo não passou de um palpite maldito. Se você se desesperasse como o inviável. E viesse de noite amanhecer o medo do dia. Se você cometesse um crime (contra si mesmo, e por isso contra os outros). Se você cometesse um crime contra um cachorro. Tudo se resolveria? Se sentiria mais digno da amizade e da admiração de todos? Se você ensurdecesse o mundo com sua rouquidão azeda, todos, enfim, te ouviriam? E te compreenderiam? Se você sujasse o mundo com sua saliva porca, todos te beijariam a boca? E todos te receberiam em casa e te dariam água em qualquer copo? E se você concluísse este seu projeto de ser único e superior e invencível, até perante o que está morto e perante até o enexistível. O mundo te satisfaria? Ter o mundo.
Se você fosse único e superior e invencível, seria feliz como todo mundo?
E se você cometesse um crime.
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Ofélia Estranha
Ela é tão bonita
Que se assusta
De desprevinida
Ante o espelho
Calcula e edita
As fadigas do amor
O meu, profano
Relampejante
E lento, possante
Disfarsa clara
Me desacredita
Me apara a unha
e me afina as
Aspas da cara
Na casa vazia
Me cava a cova
Na lua e parte
Sorri e chora seu
Sorriso total
Acalma a guarda
E agora as almas
Mas com a razão
Marcada de dor
Ela Inexorável
Acorda a fala
Metida a coágulo
Na lata toráxica
O peito, coração
Este cerne vitral
Íntimo e cálido
Apalpa ínfimo
E morro Hamlet
O Príncipe enjeitado.
domingo, 12 de setembro de 2010
Contranotas do sobressolo
Por essa época, o seu sítio era o vigésimo segundo andar de um edifício erguido sobre a porta dos fundos. Ele entrara ali; e só foi saber disso quando já não havia mais portas e nem janelas ou qualquer outro orifício por onde descambasse o mundo. A sua idade: o vigésimo segundo andar de um prédio cuidadosamente projetado para nunca atingir a possibilidade do céu a pino (como isso é matemático, não?). Ele observava a vida desde a primeira sala, no roçar do corredor, até a indumentária da pia com vaso do banheiro distinto. E se desesperava, porque sabia que nada o distanciaria tanto da falta de gravidade de seus sonhos menos insuspeitos. Mas era a ignorância quanto ao andar seguinte o que mais o atormentava, o que mais o comprimia contra a escada sem degraus explícitos, contra a entrada que ligava o já construído ao em construção, e tanto à custa de sua impaciência elétrica. Oh, meu Deus, meu Deus! Como suportar a ideia de que somente um terço do edifício inteiro foi erigido, sendo que tudo o que ele representa é esta necessidade de altura seguinte? Ele pensava que talvez fosse tudo quadrado; mas sabia que a parte de baixo, o seu subsolo, era o único chão de que dispunha e que o restar de tudo no lado A da parede de fora era só o resfolhar da sua mente a concluir distrações. E não há o que contar sobre a vida de Sílvio. Há a reflexão de um edifício que existe porque o concebo se ainda tenho esta concessão.
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Desolo
sábado, 14 de agosto de 2010
A política dos corpos ou um poema neobarroco
A Késia Tavares
A curvatura frontispicial
Do meu corpo,
Aqui e Agora, num
Encaixe instantâneo com
A curvatura traseira de
Teus modos.
A substância incorpórea
Do medo me empresta a nós
Na matéria instável do desejo.
Somos em riste a mola
Do acontecimento, a mola
Que sustenta e elabora
Os desígnios do encaixe.
A física dos dedos
Na leveza do impróprio:
Política dos corpos.
Agora a dobradura das pernas:
Dobras na dor são redobras
No prazer de cair-se inerte.
A inclinadura dos âmbitos:
Instamo-nos dispostos ao vento,
Que momentâneo, é puro gozo.
E uma força elástica tange-nos
Ao fundo da pele, e revira-nos
O fundo cavernoso do dentro,
Onde o improvável dos sonhos
É mechido e remechido até que
Tornado irremediavelmente incerto.
E de repente temos a vida
Toda em larvas como que
Grossas e clara como que
Branca, no dentro e no fora.
E morreria teu corpo se
Não se dispusesse ao meu.
E morreríamos dispersos no
Andar de cima: que Abaixo de
Deus. Mas morremos ainda se
Grudados e drapeados um na
Largadura do outro e incertos
De tão vertiginosos e mortos
De tão vivos, como que imersos
No infinito afável do todo.
terça-feira, 3 de agosto de 2010
Oh! Vaca Profana, me vê!
Oh! Vaca Profana,
Me vÊ! E vê
Que sou o bagre.
Eu sou a suspensão do ar na água suja que te invade!
Oh! Vaca e Profana,
Vê que eu sou o bagre nadando raso
Eu sou,
na espessura do riacho,
o soluço de um abutre
A cantar, o abutre a cantar,
A cantar
Um abutre
regado a suor
Oh! Vaca Profana,
Não vÊ?
Eu sou o resto da fome de estrume
Eu sou a necessidade no estômago vazio de um cavalo com fome
E sou, Oh! Vaca Profana, o grunhir da vontade de um pouco mais
Da vontade de gastar mais deste nosso canto
De gastar mais dessa oração, que é sua
É sua, Vaca Profana
De gastar mais um pouco
De gastar mais um muito
De gastar mais o todo
De gastar mais o tudo
De gastar a cera de seu ouvido, Vaca Profana
De gastar essa saliva amarga que me compõe
Essa saliva que compõe
Eu sou o bagre, eu sou o estrume na cloaca cancerosa do bagre
Eu sou, Vaca Profana, a sua promessa de recusa
De recusa ao sagrado lume do fundo
Porque sou o resto do resto do estrume na superfície da falta.